segunda-feira, 25 de março de 2013

Se a palavra de Deus não faz fruto, faz efeito



(Lucas, 8.1-15)

 A parábola fala do semeador que saiu para semear a semente, explica Cristo aos apóstolos que a semente é a Palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que a semente caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes seca-se a Palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e perturbados com a transitoriedade e o tumulto das coisas do mundo, e nestes é pisada a Palavra de Deus, porque a desatendam ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons ou, os homens de bom coração; e nestes guarda e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe até cem frutos por uma semente.

Este grande frutificar da Palavra de Deus é o que mais reparo hoje. Se a Palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da Palavra de Deus? Diz Cristo que a Palavra de Deus frutifica cem por uma, e eu já me contentaria se frutificasse uma por cem. Se de cada cem apelos se convertesse ou se emendasse um homem, o mundo já seria santo. Este argumento de fé, fundado na autoridade de Cristo, fica ainda mais difícil de entender na prática, comparando os tempos passados com os presentes.

Chegando o dia de pentecostes, como está escrito no livro dos Atos, cap. 2, v. 41: “De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas.” Tantos pecadores convertidos, tanta mudança de vida, tanta reformulação de costumes; os grandes desprezando as riquezas e as vaidades do mundo; os reis renunciando os cetros e as coroas; os jovens e as nobrezas metendo-se pelos desertos e pelas covas; e hoje? -- Nada disto. O que é isto? Assim como Deus não é hoje menos onipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que antes era. Pois se a Palavra de Deus é tão poderosa; se a Palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque vemos hoje tão pouco fruto da Palavra de Deus? Será por parte do pregador, ou da parte do homem, ou da parte de Deus. Assim como para uma alma se converter por meio de uma pregação, concorrem três fatores: primeiro, o pregador com a doutrina, persuadindo; segundo, o homem com o entendimento, percebendo; e terceiro, Deus com a graça, iluminando. Assim como para o homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não pode ver por falta-lhe os olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não pode ver por faltar luz. Logo, há que tem luz, há que tem espelho e há que tem olhos. O pregador contribui com o espelho, que é a doutrina; Deus contribui com a luz, que é a graça; o homem contribui com os olhos, que é o conhecimento. Ora. se a conversão dos homens por meio da pregação depende destes três elementos: de Deus, do pregador e do homem, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do homem, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?

Por parte de Deus, não falta nem pode faltar. A semente que caiu na terra, uma parte se frutificou e três se perderam. E porque se perderam estas três? -- A primeira se perdeu, porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a secaram as pedras; a terceira, porque a pisaram os homens e a comeram as aves. Não diz em parte alguma que a semente se perdeu por causa do sol ou da chuva. Porque o sol e a chuva são as influências da parte do céu, e deixar de frutificar a semente, nunca é por falta do céu. Deixou de frutificar a semeadura, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos atalhos dos caminhos; mas por falta das influências do céu, isso nunca! Deus está sempre pronto, com o sol para esquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a chuva para amolecer. Se Deus dá o sol e a chuva aos bons e aos maus. Portanto, nunca será da parte de Deus que poucas almas se convertem hoje.

Sendo, pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar, entende-se que, ou é por falta do pregador, ou por falta dos homens. De quem afinal será? Os pregadores colocam a culpa nos homens, mas não é bem assim. Os homens, ou são maus, ou são bons; se são bons, faz neles fruto a Palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. Na própria parábola podemos constatar. A semente que caiu nos espinhos, nasceu, mas afogaram-na. A semente que caiu nas pedras, nasceu, mas, secou-se. A semente que caiu na terra boa, nasceu e frutificou em abundância. A semente que caiu na terra ruim, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão profunda, que nos bons faz muitos frutos e é tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; a lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; a lançada nas pedras não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores homens que frequentam a igreja de Deus são os de pedras e os de espinhos. Os espinhos por agudos e os pedras por durezas. Homens de entendimentos agudos e de vontades endurecidas são os piores. Os homens de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque só querem ouvir sutilezas e esperam galanteios. Mas, os de vontades endurecidas são piores, porque um entendimento agudo pode ferir-se a si mesmo, mas os de vontades endurecidas nenhuma coisa se aproveita, porque quanto mais agudas são as setas, tanto mais facilmente perdem as pontas quando batem na pedra. A vara de Moisés abrandou as pedras e não pôde abrandar a vontade endurecida do povo judeu.

Se não é por parte de Deus, nem por parte dos homens, certamente, é por parte dos pregadores.

Não diz Cristo: saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia. Entre o semeador e o que semeia há muita diferença. Uma coisa é o soldado e outra coisa é a batalha; uma coisa é o governador e outra é o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra é o que semeia; uma coisa é o pregador e outra é o que prega. O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter o nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras são as que convertem o mundo. A melhor pregação que o pregador leva ao púlpito é o conceito que os ouvintes têm a respeito de sua vida cristã. “As palavras convencem, mas os exemplos arrastam multidões”. É um ditado muito popular.

Antigamente convertia-se multidões. Hoje, não se converte ninguém, pregam-se palavras e pensamentos; antigamente, pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; fazem barulho, mas não ferem nem matam. A funda de Davi derrubou o gigante, mas não o derrubou com o estalo, senão com a dureza pedra. Por isso Cristo disse o semeador saiu a semear. O pregar que é falar, faz-se com a boca; o semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração dos homens são necessárias obras. As palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e as almas, hoje, principalmente hoje, rendem-se muito mais pelos olhos do que pelos ouvidos. Essa é a realidade, a mídia quase todos os dias noticiam um escândalo ou alguma coisa errada dos pregadores das mais diversas igrejas que se dizem de Cristo.

Por isso que os pregadores hoje não fazem tantos frutos; porque pregam o alheio, e não o seu. E pregar é entrar em batalha com o diabo; e armas alheias, ainda que sejam as de Aquiles, não dão vitória a ninguém. Quando Davi saiu para lutar com o gigante, ofereceu-lhe Saul as suas armas, mas ele não as aceitou. Com armas alheias ninguém pode vencer, ainda que seja um Davi. As armas de Saul só servem a Saul, e as de Davi a Davi; e mais útil é um cajado e uma funda própria, que espada e lança alheias. Pregador que peleja com as armas alheias, não convence ninguém nem derruba gigante algum.

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